29 maio 2007

Em Roma sê romano (continuação)

«[…] no tipo legal de crime em referência visa-se “a protecção da autodeterminação sexual face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, presumindo a lei que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento” […] Todavia, como também se escreveu na mesma decisão, em sede de fixação da pena, há que levar em conta as circunstâncias concretas que modelaram a actuação do arguido. E, dentro dessas circunstâncias, a idade da vítima não é indiferente, muito embora a sua idade – 13 anos – esteja situada dentro dos limites de protecção do bem jurídico especifico aqui em causa, considerando-se a agressão a esse bem jurídico pelas formas indicadas na lei como abuso sexual de criança, desde que o menor tenha menos de 14 anos.
Por outro lado, não sendo necessária a coacção para a relevância da agressão ao referido bem jurídico, nos termos sobreditos, a verdade é que é diferente, em termos de ilicitude, ter ou não existido coacção, assim como é de considerar, em sede de determinação concreta da pena, o grau de desenvolvimento do menor, não sendo certamente a mesma coisa praticar algum dos actos inscritos no âmbito de protecção da norma com uma criança de 5, 6 ou 7 anos, ou com um jovem de 13 anos, que despertou já para a puberdade, como é o caso dos autos, em que a vítima era capaz de erecção e de actos ligados à sexualidade que dependiam da sua vontade, ainda que se possa dizer que essa vontade é irrelevante para efeitos de caracterização do tipo.
Por último, será necessário atentar em todo o condicionalismo que levou o tribunal de 1.ª instância, com o aval da Relação, a qualificar os diversos actos praticados pelo arguido como um crime continuado – condicionalismo em que avulta o facto de o menor ir comparecendo aos encontros marcados pelo arguido, o que veio a suceder sete vezes. Por sua vez, o arguido foi mantendo o seu comportamento sobre este menor, o que foi sendo propiciado pelo facto de o menor não contar a ninguém o que se ia passando, bem como pelo facto de não ser descoberto. Isto, muito embora, o ofendido FF, como se anota na mesma decisão, aliás de acordo com a matéria de facto, não contasse a ninguém, por vergonha e por receio do arguido, que se limitou a “ordenar” ao ofendido que não contasse o que se passava entre eles.
Neste condicionalismo, considerando que o dolo, sendo directo, não apresenta especificidades em relação ao dolo requerido pelo tipo, e que a ilicitude é mediana, para usar a expressão usada na decisão da 1.ª instância, corroborada pelo acórdão da Relação, considerando ainda as circunstâncias relativas à personalidade do arguido e que foram destacadas na decisão recorrida a partir do relatório social, reproduzido na sua essência na factualidade provada, a sua primariedade, a sua integração familiar e, de acordo com a própria decisão condenatória, a sua estigmatização no meio em face deste processo, apesar de anteriormente se poder considerar que o arguido estava plenamente integrado socialmente, a pena aplicada mostra-se claramente excessiva e desproporcionada, justificando, assim, a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.»

(Passagem do acórdão do STJ, 05.03.2007, os destaques são meus.)

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