29 maio 2006

Liberdades


Esta data tem um significado especial. Porque se completam hoje dois anos desde que decidi abdicar do prazer do tabaco. Desde então têm sido muitos os momentos em que me congratulo pela decisão, bem mais do que aqueles em que sinto verdadeiramente a falta do travo inconfundível do Amsterdamer acabado de enrolar.
Curiosamente, festejei o primeiro ano de abstinência em Amesterdão, cidade de fumo.
A característica que mais me marcou nessa viagem foi um respeito tremendo pela diversidade, uma liberdade que se respira muito para além dos limites das coffee-shops, e que, para um mero observador, parece também ser uma liberdade respeitada; não vi marcas de abuso ou necessidade de controlo apertado. É como se essa abertura à diversidade reproduzisse ela própria um limite plástico, dentro do qual cabem inúmeras tendências comunicantes.
A noção de satisfação é algo que se reflecte na forma como as pessoas se relacionam, na forma como não se escondem e não ostentam: podemos passsar na rua e ver o interior das casas, sem pruridos e, certamente, sem o receio, que nos é tão caro neste cantinho, da inveja alheia.

16 maio 2006

Damasco

Este Damasco, do Dennis D., lembra-me os quilos de alperces que se comiam lá em casa, teria eu a idade da menina. Não consta que algum turco tenha plantado a árvore a que, no quintal, tantas vezes subi, cheio de inocência. As minhocas seriam outras. O que eu gostava daqueles alperces… (E não, eram até bem pequeninos. Concentradinhos.)

«A menina foi sincera: "Não gostei da frutinha."
"Chama-se damasco", explicou a mulher cheirosa. "Coisa cara. Ganhei de um turco. Olha só a caixa como é chique. Estas minhoquinhas são letras turcas."
"Já posso ir pra casa?"
"Calma, menina. Seu pai está pra chegar. Quero que você fique escondida ali, atrás daquele biombo, para ver o que ele faz comigo todas as terças e quintas. Chama-se foder. Depois, você pode ir pra casa e contar tudo à sua mãe. Meu nome é Yole. Diga à sua mãe que eu tenho vinte anos e que sou linda."»

(Dennis D., 23.03.2006)

15 maio 2006

Freak 2

Freak



Um verdadeiro entroncamentense assegura: «É fraca, para fenómeno é fraca…»

03 maio 2006

E o prémio é…

Bem, na verdade não há nenhum prémio especial para o 1000.º visitante, que passou por aqui esta semana. Espero que tenha encontrado razões para voltar muitas vezes. Se não encontrou, pelo menos que a visita não tenha sido em vão.

02 maio 2006

O que vale é que as caixas estavam vazias…

Acontece que, prevendo a chegada do primogénito, quiseram os pais preparar-lhe com antecedência, e todo o rigor e ânimo que a ocasião exige, o leito e demais acessórios, que farão as delícias da sua ingénua percepção.

Afastados, na sua província, de adereços dignos, rumam à capital e, contando com um solarengo e prolongado fim-de-semana que afastaria dos templos do consumo os fiéis devotos, arriscaram empreender a árdua demanda.

Três horas e muitas etiquetas, referências, fita métrica, códigos e listas escritas a lápis depois, e a tarefa quase concluída, há alguém que se lembra, com a conivência da nossa fraqueza e desatenção, mas certamente também por elas tocado, aliviar-nos do esforço de empurrar o carro de compras. Do esforço de transportar adereços dispersos, uns previamente escolhidos, outros, a maioria, que ali se fizeram – e muitas referências e listas escritas a lápis…

A demanda passou então a incluir a busca do carro perdido. Quilómetros e quilómetros percorridos e nem sombra da carruagem dos nossos sonhos. Seria um aviso?

A verdade é que um pai dedicado é um pai sacrificado… Um pai que volta à casa de partida e, a despeito da sua saúde mental, avança contra a multidão de consumidores desenfreados e de promoções de última hora.

Não será como o pai hipocampo, que assume a tarefa de dar à luz os seus filhos, ou como o pai Latrodectus mactans, que lhes reserva não apenas os genes mas o próprio corpo, repasto da chorosa viúva.

Mas é um pai que goza imenso com a experiência. E, diria o Cesariny, lá fora – ah, lá fora! – ri de tudo!

A menina canta?

O tempo inteiro. Ou alto, ou murmurado, ou assoviando, ou só na rádio-cabeça.

(Cyn City, 28.04.2006)