30 janeiro 2007

Sai de cima pá

«Mas como é que um indivíduo a quem estão vedadas as relações sexuais se atreve a falar daquilo que não lhe diz respeito?»

Comentário da D. Paula, que escreve do Coito de Cima (existe mesmo?), à notícia de hoje do Público, que dá conta do apelo do Cardeal Policarpo à educação sexual no sentido da castidade.

Lembro-me de há uns anos um professor se referir ao sacerdócio como a mais sexual de todas as actividades. Redescobrir o discurso a propósito do referendo de dia 11 fez-me recordar essas aulas com Carlos Amaral Dias. E ainda não deixei de concordar, pois continuamos a ser obrigados a ouvir e a ver estes senhores interferirem naquilo que é a liberdade individual de cada um. Sobre a ignorância não se pronunciam eles.

Em todo o caso, fiquei na dúvida se havia de comentar a notícia ou o comentário de Coito de Cima, nem de propósito…

PS: Coito de Cima é uma freguesia do concelho de Ourique, distrito de Beja. Onde também se podem encontrar as simpáticas freguesias de Encalho, Malcreado, Mal Julgada, Monte da Fonte da Rata, Compromisso, Brochas, Bloitos, Pregassanito, Piçarrota ou Cassoleta, só para citar algumas assim à pressa.

Próximo referendo

Um Sá Fernandes em cada câmara municipal de Portugal.

25 janeiro 2007

Cortesia do Insónia

Um texto do JN, citado pelo Henrique, que vale a pena ler, quanto mais não seja pela sua nudez dos argumentos ideológicos/demagógicos mais comuns:

Cientista de proa na procriação medicamente assistida, Mário de Sousa é "pai" de centenas de filhos de casais inférteis. Mas vai votar Sim no referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Porque a vida da mulher é um todo, com corpo e alma, que tem primazia sobre o feto. Este, diz, é "um anexo sem autonomia" até aos cinco meses, altura em que o cérebro começa a funcionar.

Disse numa recente iniciativa dos Médicos pela Escolha que o feto é "um anexo sem autonomia" da mãe até às 24 semanas.
Só aí ganha autonomia para sobreviver. Até lá, tem os órgãos em esboço, mas não são funcionais. E um esboço é um esboço. Isto da definição das oito semanas como aquelas em que acaba o período embrionário e inicia-se o período fetal é um artifício. O pulmão só funciona a partir das 28 semanas. A tiróide só segrega hormonas aos quatro meses. O cérebro só amadurece a partir dos cinco meses, aí os neurónios conseguem permitir ao feto o movimento voluntário. Se perguntar às mulheres quando sentem o primeiro pontapé, todas são unânimes em dizer seis meses.

Do lado do Não citam a ciência apontando vida desde a fecundação, o coração que bate.
Funciona desde as três semanas, mas as válvulas só se formam aos cinco meses e só aí os vasos sanguíneos chegam a toda a parte. Agora, é facto científico que a nova vida inicia-se na fecundação.

É um contra-senso.
Não. E por isso é que todo o embrião humano tem de ter estatuto e dignidade e ser protegido. Mas repare que em cada dez casais totalmente férteis a tentar ao mesmo tempo, só dois conseguem uma gravidez. Os outros também fazem embriões, mas estes não se implantam, ou abortam por deficiência até aos três meses. São dados internacionais.

O período das dez semanas para a despenalização parece assim um limite igual a qualquer outro...
As dez semanas vão ter muita elasticidade, porque há várias datações. Dez semanas pela última menstruação são 12 para a ovulação e 14 para a datação da ecografia. E como a maioria das interrupções voluntárias da gravidez (IVG) são entre as oito e as 12 semanas, é mais do que suficiente. Trata-se de impedir que quem não pode avançar com a gravidez vá fazê-lo em casa com um troço de couve, ou vá a uma curiosa e haja complicações. Lembro-me que em 1985, quando fazia urgência de ginecologia, tinha pelo menos uma complicação de abortamento por semana! Só eu! Lembro-me de como essas mulheres eram tratadas pelos médicos. Era atroz! Raspagens sem anestesia para as fazer sofrer, a vingar-se, insultos, recusa de direito de visita.

Falou na protecção do embrião, mas alinha num movimento pelo Sim.
Claro. Devemos tentar arranjar todos os artifícios necessários para que qualquer rapariga que engravida leve a gravidez a termo. É nossa obrigação enquanto médicos saber por que não o podem fazer. Se o problema é a família ou o parceiro, devemos oferecer-nos como mediadores. Se invocarem razões económicas, devemos chamar uma assistente social afectiva e compreensiva que as acompanhe e lhes indique meios de subsistência.

Está a dar razão ao Não...
Não. Porque a grande fatia, como revelou um estudo da Associação para o Planeamento da Família, é de raparigas muito jovens que dizem que não estão preparadas naquele momento da vida para ter um filho. Porque são pequenas, estudam, não sabem quem é o pai... Aí temos duas opções ou um sistema ditatorial que obriga a mulher a levar adiante a gravidez e a persegue se ela não levar, ou protegê-la e permitir que aborte de maneira higiénica, rodeando-a de uma série de medidas para que tal não volte a acontecer. E, felizmente, sendo muito rigoroso em termos de fisiologia fetal, o feto não é capaz de sobreviver fora do útero. Idealmente, se pudéssemos tirá-lo logo e dá-lo para adopção, seria a solução. Mas como não tem viabilidade, a primazia é da mãe. Para nós o mais importante é o respeito pela vida que está à nossa frente: a da mulher.

E o argumento de que isso vai banalizar a IVG?
Segundo o estudo da APF, a maior parte das mulheres que abortaram usava métodos contraceptivos, abortou até às dez semanas e tinha formação secundária ou superior. A gravidez é um acidente de contracepção e 90% não repete a experiência. E depois, obviamente, as pessoas têm que ser responsabilizadas. Se eu fosse ministro, as pessoas pagariam a IVG, a não ser que não tivessem capacidade económica. Lembro-me que em França, em 1993, uma rapariga pagava 30 contos para uma IVG num hospital público. Até por uma questão de sacrifício. Não acredito num aumento. Ninguém faz isso de ânimo leve.

O Não busca noutros países justificação da tese do aumento.
É diferente. Se Portugal tivesse despenalizado o aborto no 25 de Abril, a população era então mais pobre, menos culta, haveria um aumento, porque as mulheres já não iam ter medo de pedir ajuda. Teria havido, como noutros países, uma ascensão inicial e depois uma descida até à estabilização. Hoje, há formação.

Fabrica vida e dá a cara pela despenalização do aborto. Contra-senso?
Não! Pelo contrário! Ajudo os casais a ter bebés e continuo a dizer que são o grande milagre da vida! Mas o que lhes digo é que a coisa mais importante da vida deles não é o bebé. Com os que fazem dele o mais importante, geralmente corre mal. O grande motivo deles é o amor que os une. E o bebé é uma dádiva extra, que não pode substituir esse amor. Se me perguntar se numa situação dramática escolho a minha mulher ou a minha filha, a minha mulher tem prioridade. O bebé é uma dádiva, mas não pode ser à toa! Numa fase em que não está preparada, mais vale não destruir a vida da mulher!

No Juramento de Hipócrates no final da formação, jurou pela protecção da vida.
Todas as interpretações são possíveis... Aquilo que os professores mais sensíveis nos transmitiam era a preservação da vida como a entendemos hoje. Da vida no seu todo, do corpo e da alma, a saúde também é mental. Daí nesta discussão dever dar-se primazia à mulher. Como nas interrupções em caso de doença da mãe. Dá-se-lhe primazia, porque o feto não tem autonomia. Não vejo qual é o problema dos médicos com isto.

In Jornal de Notícias (mas repare-se no título escolhido…).

Actual

Relembra-me o meu amigo Luís Nascimento, no e-mail que aqui reproduzo, a acção esclarecedora de Natália Correia há já 25 anos a propósito de uma discussão que voltou.

«O acto sexual é para ter filhos» - disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o então deputado do CDS João Morgado num debate sobre a legalização do aborto.

A resposta de Natália Correia, em poema - publicado depois pelo Diário de Lisboa em 5 de Abril desse ano - fez rir todas as bancadas parlamentares, sem excepção, tendo os trabalhos parlamentares sido interrompidos por isso:

Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;

e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -

Uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

(Natália Correia, 3 de Abril de 1982)
The Flying Car

I thought I knew you man…
Jimi Hendrix I

Royal Albert Hall, Londres, 1969

17 janeiro 2007

A justiça é cega

09 janeiro 2007

Demos


Enquanto o sítio da OVNI não está operacional, quem pretenda passar os olhos pelos livros pode fazê-lo com as três «demos» que colocámos online:

EXISTE UM HOMEM QUE TEM O COSTUME DE ME DAR COM UM GUARDA-CHUVA NA CABEÇA

O SOM ATINGE O CIMO DAS MONTANHAS

ESTÓRIAS DOMÉSTICAS

E, para qualquer esclarecimento, basta usar o e-mail info (em) ovni.org.

Tapadinha

A recente vitória do Atlético em casa do Futebol Clube do Porto para a Taça de Portugal em futebol, e a consequente festa dos seus adeptos, fez-me imaginar de forma muito sentida como seriam os festejos do meu avô, quando cá andava e ainda acompanhava o seu Atlético. Acho que ele nunca foi um grande adepto de futebol, mas o Atlético puxava-lhe a língua para falar do tempo dos grandes jogos, do tempo em que os jogadores jogavam à bola e trabalhavam na estiva.

E fez-me lembrar também que o Atlético foi o primeiro e único clube que se arriscou a ter-me como jogador. É certo que o risco logo se dissipou e que aos olheiros bastaram pouco mais de cinco minutos do treino de captação para perceberem que não seria por mim que teriam melhor sorte. Imagino o que seria hoje se eles se tivessem enganado. Acho que, mesmo rejeitado, também sou um bocadinho do Atlético.

06 janeiro 2007

Conrad Potter Aiken

«[…] According to local legend, Aiken wished to have his tombstone fashioned in the shape of a bench as an invitation to visitors to stop and enjoy a martini at his grave.»

(Wikipedia)