21 novembro 2005

Contributo democrático

17 novembro 2005

Diacrónico

«Estação Paraíso.

Hoje, no metrô, um cara muito alinhado, pelos seus quarenta, que lia “As Minas do Rei Salomão”, serviu de modelo para uma menina de saia e camiseta pretas e meião três-quartos , que traçou os botões todos do paletó, num bloquinho, a caneta preta.

O cara percebeu o desenho, e fez uma certa pose com os ombros – o que os fez parecer desproporcionalmente largos no desenho, já que ele não era muito alto. A menina não tentou disfarçar, embora a sua franja escondesse os olhos (ligeiramente estrábicos, quando apareciam). Guardou o bloquinho e desceu no Paraíso, antes dele.

Mas ele conseguiu perceber, na parte de dentro do braço direito dela, a tatuagem de uma escada – como se ela esperasse alguém que subisse ali, para fazer-lhe cosquinhas. Chegou feliz, em casa.» [25.10.2005]

É Eça, ora essa.

Pois saibam que “As Minas do Rei Salomão”, a julgar pelo começo, bem poderia ser o enredo do primeiro filme pornográfico luso-brasileiro, com as minas prometendo fazer tudo com o salamão do Rei. Vejam se não estou certo:

“...Pois com toda essa diligência, só ultimamente, há oito meses, arrendondei o meu saco. É um bom saco. É um saco graúdo, louvado Deus. Creio mesmo que é um tremendo saco! E apesar disso, juro que para o sentir assim, redondo e soante entre as mãos, não me arriscava a passar outra vez os transes deste terrível ano que lá vai. Não! Nem tendo a certeza de chegar ao fim com a pele intacta e o saco cheio.” [26.10.2005]»

Procura-se parceiro para invasão

Atenção: se alguém sabe do António Pocinho, o mesmo que escreveu o texto que se reproduz abaixo, por favor avise-o de que o procuro para me acompanhar numas quantas invasões que me parecem irrecusáveis. É que o invasor, depois de invadir, passou à clandestinidade e nem o Detective Correia me valeu.

Invasão fiscal

«Hoje, a seguir ao almoço, invadi um país. Um país pequenino, é certo, mas habitado e sujo. De manhã, nem sequer me estava a apetecer, mas com o caril e a cerveja deu-me cá uma vontade! Pode-se dizer que estava mesmo à rasca para invadir um país. Quando saí do restaurante, procurei nas redondezas um canto onde ninguém me visse. Esperei que passassem umas velhinhas, e entrei com as minhas tropas. Infelizmente, não pude deixar de ser visto por uma universitária, que muito se escandalizou. Caramba, já não se pode fazer tudo às escondidas.»
(António Pocinho, 1999, Os Pés Frios Dentro da Cabeça, Fenda, p. 25)

02 novembro 2005

Estrumpfes em Nordwijk

01 novembro 2005

556

Tenho saudades de escrever-te de madrugada, enquanto me envolves na tua nudez. De ficar tão preenchido de ti que a caneta queima e as palavras se inscrevem em brasa… as rimas são labaredas em desfile e esse calor devolve-nos a alvorada.
Acordamos exaustos e olhamo-nos. Os corpos misturam-se entre lençóis e sonetos. A música cresce-nos na pele e estamos prontos para viajar.
Depois, saboreamos tudo como se fosse a última manhã do mundo. Como se o dia não acabasse com a noite, apenas a possuísse, aqui e ali iluminado pelo latejar sensual de uma estrela errante.
Como és linda vista de onde estou. E. no entanto, vi-te já de mil maneiras e todas as vezes é uma sombra diferente que se destaca e me atrai e me confunde e me guarda… há quinhentos e cinquenta e seis dias que acordo contigo. E cada um deles é sempre novo e curto. […] Passam a correr os minutos de quietude que me dás a beber. Não há lugar nem tempo que se comparem nem que nos detenham mais que um olhar. Corremos para construir o mundo enquanto nos amamos, enquanto nos cortejamos. Cantamos sonhos e baladas mágicas, das que contagiam até os pássaros a entoarem com mais vigor. Então, apetece-me voar contigo para qualquer lado. Habitar o implausível. Romancear.
[21 de Dezembro de 1998]