25 novembro 2009

Quantos lóbis para atacar a pirataria informática?



O Parlamento Europeu acaba de aprovar um pacote de medidas legislativas no âmbito das telecomunicações, entre as quais se incluem as polémicas normas que visam a regulação do corte da Internet como medida contra a pirataria na rede. No geral, estas normas seguem o princípio já tentado em França com a chamada lei Hadopi – entretanto revogada por ser inconstitucional –, segundo o qual quem faz downloads de conteúdos disponibilizados ilegalmente é um meliante da pior espécie e custa milhões de milhões à indústria do entretenimento audiovisual.

O que estas medidas procuram fazer é assustar o utilizador comum. No fundo, vão favorecer movimentos de procura e partilha camuflada (sem que seja possível identificar quer o conteúdo quer a identidade de quem o descarrega), bastante mais perigoso e, esse sim, verdadeiramente lesivo das multinacionais, na medida em que é usado para fins comerciais.

Vão perseguir uns quantos utilizadores, os mesmos que nunca comprarão CDs ou DVDs a 20 ou 25 euros, ou jogos a 60 euros, nem pagarão por uma televisão por cabo de má qualidade e com uma oferta ridícula.

E vão assustar uns quantos, é verdade. Ficará a ilusão de que a pirataria informática decresce devido a estas normas, quando, na verdade, elas só servem para manter o status quo da indústria, que muito lóbi tem feito, mas que é incapaz de abdicar de uma parte do seus lucros despudorados para tornar o acesso aos bens mais fácil, i.e., mais barato. O que, deve acrescentar-se, seria mais do que justo, na exacta medida em que a difusão por via digital só pode ter feito cair abruptamente os custos.

Espero que haja um movimento no sentido inverso, de uma parte significativa de criadores que abdiquem da indústria para se aproximarem de quem quer fruir em liberdade as suas obras, o que aliás já é possível observar em muitas áreas (o próprio movimento Open Source, no contexto do software, demonstra à exaustão que a distribuição gratuita não implica a morte da indústria, antes um aumento exponencial da criatividade e da inovação).

As empresas de telecomunicações, muitas delas também ligadas à produção de conteúdos, vêem-se duplamente favorecidas, na medida em que o facto de facilitarem (de certa forma até incentivarem – afinal o que são as happy hours e os downloads sem limites?) a partilha de conteúdos cada vez mais complexos (ficheiros de maior dimensão como filmes ou discografia), com as velocidades oferecidas sempre a crescerem, não é considerado como motivo do aumento da pirataria, nem são co-responsabilizadas sob a forma de taxas mais rigorosas.

Ou seja, no final das contas, temos uma indústria que luta a todo o custo para manter o seu quinhão, e que pouco ou nada faz para adequar o seu modelo comercial à realidade de um mundo exaurido (e que, apesar de tudo, ainda acredita que o capitalismo não é tudo). O modelo será sempre o de acumular mais, de chupar mais ao consumidor, E de tentar controlar ao pormenor o que se vê e o que se ouve.

quem acredite que a indústria está a fazer alguma coisa para mudar o cenário, e que estas normas são efectivas no sentido de desviarem os consumidores para serviços alternativos legais. Mas a miha questão é esta: serviços como a iTunes Music Store foram ou não bem sucedidos comercialmente, num contexto em que fazer downloads ilegais era a norma? E foi preciso cortar a internet a alguém para isso resultar? Então como é que resultou? Talvez porque a indústria abdicou do seu modelo tradicional e preferiu uma retribuição mais justa pelos suportes do que está a fazer no retalho analógico.

O modelo de distribuição de conteúdos culturais e de entretenimento tem de mudar, mas não é reprimindo primeiro que ele vai ter sucesso.

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